3 de dezembro de 2009

CONGRESSO EM HONDURAS REJEITA RETORNO DE ZELAYA

03/12/2009 - 00h12
Do UOL Notícias*
Em São Paulo
Atualizado às 08h47

Os parlamentares hondurenhos decidiram na noite desta quarta-feira (2) que o presidente deposto, Manuel Zelaya, não deve retornar ao poder. A decisão ratifica as ações do Congresso durante o golpe de 28 de junho como um movimento "em defesa da democracia".

A proposta de restituição foi recusada por 111 deputados. Apenas 14 parlamentares votaram pelo retorno de Zelaya. Para ser restituído, Zelaya precisava dos votos de 65 dos 128 deputados do Congresso Nacional.


Por que Manuel Zelaya foi deposto?

Presidente desde 2006, Manuel Zelaya liderou um governo que se afastou gradualmente do Partido Liberal que o elegeu, aproximando-se de governos de esquerda da América Latina, como Cuba e Venezuela. Ao implementar medidas populares, como um drástico aumento do salário mínimo, foi alvo de críticas dos empresários locais e aos poucos perdeu respaldo do Congresso.

O ponto crítico veio com a proposta de reformar a Constituição, que Zelaya tentou encaminhar sem passar pelo poder legislativo, por meio de uma consulta popular que perguntava aos hondurenhos se eles aprovariam uma mudança constitucional.

Juízes hondurenhos declararam a iniciativa ilegal, apoiados por uma cláusula legal que proíbe a alteração de certos trechos da Constituição (entre eles a proibição da reeleição presidencial). O exército então anunciou que não daria apoio logístico para o referendo, e Zelaya ordenou que seus aliados organizassem a eleição sem apoio militar.

A Justiça entendeu que a ação era criminosa e ordenou a prisão do presidente. No dia em que aconteceria o referendo, militares entraram na casa presidencial, tiraram Zelaya da cama e colocaram-no em um avião ainda de pijamas. No mesmo domingo, uma falsa carta de renúncia foi apresentada e poder foi entregue ao próximo na linha sucessória: Roberto Micheletti (dir.), presidente do Congresso

Por que Zelaya depois se abrigou na embaixada brasileira?

Após ter sido deposto, Zelaya passou dois meses visitando governos em busca de apoio internacional. Em 21 de setembro, entrou escondido no país e foi para a embaixada brasileira em Honduras, que é considerada território brasileiro - com isso, Zelaya se protegia das ordens de prisão emitidas contra ele em Honduras.

A intenção do presidente deposto ao voltar para o país era aumentar a pressão por um acordo, e chegou a clamar por protestos entre seus apoiadores desde o prédio da representação diplomática do Brasil. Segundo o governo brasileiro, que classifica Zelaya como "hóspede" e não impõe data para sua saída, a embaixada não tinha conhecimento dos planos do presidente deposto e não colaborou com seu retorno.


Com a decisão, o Congresso rejeita o ponto 5 do Acordo Tegucigalpa/San José, firmado por representantes de Zelaya e do governo de fato, liderado por Roberto Micheletti. O presidente eleito no domingo passado, Porfirio Lobo, do Partido Nacional, assumirá o poder em Honduras no próximo dia 27 de janeiro.

O resultado deve-se, em grande medida, ao peso do conservador Partido Nacional, que controla 55 das 128 cadeiras do Parlamento hondurenho, e que venceu as eleições presidenciais do último final de semana com o candidato Porfírio "Pepe" Lobo.

"Nós nos manifestamos a favor da ratificação do decreto 141/2009, aprovado em 28 de junho", disse Rodolfo Irías, chefe da bancada nacionalista, em referência à medida que tirou Zelaya do poder. "Essa posição é unânime, e despida de qualquer oportunismo".

"Nossos votos não devem servir para piorar uma crise que tende a ser substituída pela estabilidade, nem servir a uma manobra populista", acrescentou Irías.

Segundo o bloco nacionalista, o golpe que depôs Zelaya e o tirou do país em 28 de junho, foi uma decisão "seguramente difícil e desagradável, mas necessária e inevitável para salvar o modelo democrático".

Irías explicou que a decisão é coerente, já que o Partido Nacional "manifestou publicamente seu rechaço total ao acordo Tegucigalpa-San José", referindo-se ao documento assinado em 30 de outubro entre Zelaya e o governo de fato.

Era justamente esse acordo que conferia ao Congresso a autoridade para decidir se o presidente deposto poderia retornar ao cargo.

Irías acrescentou em seu discurso que o próprio Zelaya "declarou que não está disposto a voltar a ocupar a chefia do Executivo".

Antes de começarem os discursos dos líderes de bancadas, pareceres dos órgãos judiciais hondurenhos lidos no Congresso consideraram a restituição de Zelaya "inviável".

Os mesmos relatórios advertiram que os parlamentares que tentarem restituir o presidente deposto estariam sujeitos às devidas "penalidades civis e administrativas".

Resultado é vergonhoso, diz Zelaya
"O povo hondurenho deve saber que a maioria dos deputados que ratificaram seu delito são cúmplices confessos, que estão de acordo com o sangue derramado por mártires", disse Zelaya - que permanece na embaixada brasileira em Tegucigalpa - por telefone à agência de notícias EFE. "O que vai acontecer agora? Continuo na embaixada do Brasil lutando pela condenação da ditadura e agora também contra a fraude eleitoral que aconteceu no domingo. As eleições não representam uma saída para o país", acrescentou.

Zelaya disse que o resultado da votação de hoje "é vergonhoso para a nação" e que "o mundo inteiro deve saber que a maioria dos deputados golpistas ratificou o golpe contra o presidente constitucional".

"Além disso, digo ao povo e à comunidade internacional que minha luta é pacífica e que continuo com meus princípios democráticos", acrescentou.

O presidente deposto afirmou que no Congresso Nacional "havia 24 deputados que desde o princípio rejeitaram o golpe", e que exigiam sua restituição ao poder, embora na votação de hoje apenas 14 dos 128 parlamentares manifestaram apoio a ele.

Em carta divulgada após a sessão, Zelaya disse que os hondurenhos "conheceram um a um os deputados e deputadas que traíram o Congresso e a democracia no dia 28 de junho (...) e violaram a Constituição".

A favor de Zelaya
Com cinco cadeiras, o partido Unificação Democrática (UD) declarou, no discurso de seu líder César Ham, que sua posição é pela restituição de Zelaya.

Ham perguntou ao Parlamento por que, se havia uma ordem de prisão contra Zelaya, o presidente acabou sendo tirado de casa por militares e enviado para fora do país.

Para o líder da UD, a democracia de Honduras está "na unidade de tratamento intensivo", dominada pela oligarquia há 28 anos, desde que o país retornou à ordem democrática.

Antecedentes
Zelaya foi deposto em 28 de junho por um golpe de Estado realizado com participação do Exército, do poder Judiciário e do próprio Parlamento. Desde então, o presidente deposto tentava, com apoio da comunidade internacional, retomar o cargo. Com esse objetivo, retornou ao país ilegalmente em setembro e recebeu abrigo na embaixada brasileira, apostando que sua presença no país pressionaria o governo golpista a negociar.

Apesar da pressão, o governo de Roberto Micheletti conseguiu manter o poder e manteve a realização das eleições de 29 de novembro, que elegeram "Pepe" Lobo para o cargo de presidente a partir de janeiro próximo.

Após as eleições, Estados Unidos lideraram um movimento pelo reconhecimento do novo presidente, como maneira de encerrar a polêmica e normalizar a situação em Honduras. Contudo, grande parte da comunidade internacional, incluindo Brasil, Argentina, Venezuela e a Organização dos Estados Americanos, se mantém firme na denúncia de que as votações ocorreram em uma situação de exceção.

Postado por: Paulo R. M. Lima

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