30 de agosto de 2009

Crise econômica coloca a União Europeia contra seus próprios membros

Steven Erlanger

Do New York Times, em Berlim

A União Europeia é um experimento extraordinário de soberania compartilhada, criando uma zona de paz que agora vai da Grã-Bretanha aos Bálcãs. A união de 27 países no bloco econômico mais formidável do mundo, incorporando 491 milhões de pessoas em um mercado integrado, produz quase um terço a mais que os Estados Unidos.

No entanto, a crise econômica global deixou claro que a Europa continua sendo menos que a soma de suas partes.

A crise trouxe à União Europeia seu maior desafio, mas até mesmo muitos europeanistas comprometidos acreditam que a aliança está sendo reprovada no teste. Líderes europeus, com foco em políticas internas, discordam acentuadamente sobre como combater a recessão. Eles têm se hostilizado ao discutir como estimular a economia. Eles brigam quando o assunto é se o Banco Central Europeu deveria se preocupar mais com a profunda recessão ou a inflação futura. Eles se apressaram para proteger os empregos em seus mercados domésticos à custa daqueles em outros países membros.

As últimas eleições parlamentares, realizadas no dia 7 de junho, fortaleceram esse cenário. Apenas 43% dos europeus votaram – uma abstinência recorde, apesar da crise financeira e do voto obrigatório em alguns países. Partidos de extrema direita, opositores à União Europeia e à imigração proveniente de países membros mais pobres, registrou ganhos, assim como os "verdes". Os que votaram consideraram amplamente as questões nacionais.

Com a liderança americana minada por guerras estrangeiras divisoras e o modelo econômico, de liberdade de mercado e suave regulamentação, enfrentando grandes desafios, a Europa importa muito. O "modelo europeu", de significativo envolvimento do governo na economia; supervisão controlada das finanças, indústria e trabalho; pensões generosas e assistência médica concedidas pelo estado são elogiadas em alguns círculos como uma alternativa viável ao capitalismo estilo anglo-americano.

Porém, apesar da crise hipotecária ter começado nos Estados Unidos, a Europa está comprovadamente sofrendo mais. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que bancos europeus possuem mais ativos ruins do que os americanos, e registraram muito menos. Déficits orçamentários estão aumentando e o desemprego, especialmente entre os jovens, já atingiu o nível mais alto em dez anos.

Com a resposta entravada por uma União Europeia fracionada, muitos economistas agora esperam que essa recessão dure mais aqui do que do outro lado do Atlântico.

"Estamos vivendo um momento de crise bastante sério", disse Joschka Fischer, político do Partido Verde e ex-ministro das relações exteriores da Alemanha. "Temos uma traumática falta de liderança; fomos pegos de surpresa pela enchente."

A tensão central na união sempre foi entre prioridades nacionais e interesses coletivos. Ceder direitos e poderes nacionais – sobre a moeda, comércio, tarifas alfandegárias – nunca foi algo simples, mesmo nos bons tempos. Em uma época desfavorável, como a atual recessão, a política nacional triunfa sobre os interesses comuns. Líderes se movem para proteger suas próprias indústrias, trabalhadores e eleitores, à custa daqueles em outros países. Trabalhadores ainda se irritam com os sacrifícios feitos em nome da integração.

Na fábrica de pneus Goodyear Dunlop, em Amiens, norte da França, Thierry Fagot, de 36 anos, está perdendo o trabalho que tem há 13 anos. Ele vê a concorrência dentro da aliança como parte do motivo.

"Me sinto enganado. Quer dizer, nós criamos a Europa para nos proteger, e por um longo período funcionou", disse ele, explicando que a aliança oferecia um mercado para os pneus da fábrica e estabelecia regras de segurança. "Agora, com a competição dos países do leste, sinto como se a Europa tivesse criado uma situação onde perdemos nossos empregos para outro país da União Europeia. Como isso pode ser para o bem de todos?"

A União Europeia não está à beira do colapso diante de tamanho antagonismo. No entanto, alguns dos defensores mais devotos do continente estão diminuindo suas ambições. Poucos ainda falam sobre uma Europa que seja um contrapeso político ou militar para os Estados Unidos.

Fischer, do Partido Verde, está comprometido com uma Europa que lamenta a indiferença "da geração pós-89" aos ideais de um destino europeu. Também lamenta a volta, sob a pressão da crise, a objetivos nacionalistas e à retórica.

"Crises sempre são momentos da verdade, pois expõem cruamente tanto as forças quanto as fraquezas de todos os envolvidos", disse Fischer, criticando, em particular, a visão limitada e nacionalista do governo alemão.

Ele disse que o Banco Central Europeu, que estabelece uma grande taxa de empréstimo para as 16 nações usuárias do euro como moeda, tem ido bem. No entanto, a Comissão Europeia, principal órgão executivo da união, "não teve nenhuma função na crise atual, já que é uma crise transnacional, então o papel da comissão deveria ter sido justamente o oposto."

Em vez disso, líderes europeus estão se concentrando em aprovar o Tratado de Lisboa, há muito adiado, para criar um presidente e um primeiro-ministro europeu e simplificar o processo decisório. Porém, o tratado tem pouco a dizer sobre questões econômicas.

As tensões ficam evidentes na forma como países trabalharam para resgatar seus próprios bancos e montadoras nacionais de automóveis, quando uma política europeia mais ampla seria mais lógica. Entretanto, elas também são visíveis diante da incapacidade de concordar em uma política em relação ao Afeganistão ou em uma política energética conjunta para reduzir a dependência da Europa do gás natural da Rússia.

Alemanha e França juntas são o motor tradicional da União Europeia, mas as relações entre esses países são frias. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, e a chanceler alemã, Angela Merkel, colocam interesses nacionais em primeiro plano, quando o assunto é benefícios sociais ou salvar empregos na hesitante indústria automobilística.

Divisões também são evidentes entre a Europa do sul e do norte, com países fiscalmente mais responsáveis, como a Alemanha, prometendo, com relutância, ajudar economias trôpegas, como a da Espanha e da Grécia. A solidariedade, teoricamente o grande princípio da União Europeia, está fragilizada também no eixo leste-oeste, com países usuários do euro relutantes em arriscar a estabilidade da moeda ao resgatar países fora da chamada zona do euro, como Bulgária e Romênia.

Poucos querem considerar o que acontece com a Ucrânia, não pertencente à UE, onde muitos bancos europeus, especialmente alemães e austríacos, investiram pesadamente.

A promessa de uma Europa "sem fronteiras" tem sido minada por uma reação contra imigrantes de toda a região, vistos como concorrentes a postos de trabalho.

Antes das eleições parlamentares europeias, Sarkozy e Merkel publicaram uma carta conjunta. "Queremos uma Europa forte, capaz de nos proteger. Rejeitamos uma Europa burocrática que aplica mecanicamente as regras minuciosas", escreveram.

Todavia, eles discordam acentuadamente sobre o papel dos gastos públicos e do Banco Central Europeu. Sarkozy é a favor de mais estímulo e de mais flexibilidade para o banco comprar títulos ou empréstimos ao setor público e, assim, ajudar a revitalizar o crédito. Merkel, por sua vez, tem atacado o aumento do déficit orçamentário e criticado o banco central por reduzir demais as taxas de juros e arriscar uma possível inflação futura.

Porém, eles concordam em proteger os empregos em seus mercados. Enquanto Sarkozy tem sido criticado por oferecer bilhões para proteger empresas automobilísticas francesas, Merkel, com eleições nacionais em setembro, acaba de intermediar um acordo caríssimo para a Opel, marca europeia da General Motors, quase inteiramente baseada em salvar empregos alemães.

Quanto ao futuro, as opiniões se dividem, mas poucos preveem que o experimento europeu está no fim. Espera-se que o Tratado de Lisboa seja aprovado, fortalecendo a força da união. Os líderes de hoje, apesar de divididos, podem aprender a lidar com os desafios econômicos em conjunto, assim como aprenderam a evitar conflitos militares no início.

"Vai ser duro, teremos retaliações, a história vai nos derrotar. Teremos anos difíceis pela frente, mas acredito que a crise cria líderes, os líderes certos", disse Fischer, político alemão pelo Partido Verde. "Não sou pessimista".

*Postado por Ethel Lacrose

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