19 de setembro de 2009

CASO MAURICIO HERNANDEZ

Considerações iniciais:
Sob a otica da ordem jurídica brasileira, um fato submetido a sua jurisdição e que, sob a perspectiva de um ordenamento estrangeiro, configure crime político, não tera aqui a mesma qualificação jurídica, salvo se simultaneamente ofender ou ameacar a segurança ou a ordem político-social brasileiras. Os fatos pelos quais foi condenado o cidadão em questão, podem ser reputados delitos politicos pelo Estado de origem, contra cujo sistema e valores de caráter político o agente pretendesse dirigir a atividade finalistica da associação clandestina e a aplicação, nela, do produto da extorsão que aqui obtivesse êxito. Para o Brasil, entretanto, a cuja ordem politica são estranhos a motivação e os objetivos da ação delituosa, o que existe são apenas os crimes comuns configurados - independentemente de tais elementos subjetivos do tipo - pela materialidade da conduta dos agentes.
Questiona-se com freqüência, como conceituar e classificar o chamado "crime político", que, na visão de alguns doutrinadores, possui duas espécies: o crime político pode ser classificado como próprio ou impróprio. Próprio é o de opinião - aquele que causa ameaça à ordem institucional, ao sistema vigente. O impróprio é aquele que consiste em crime de natureza comum, mas com conotação, com pano de fundo, político/ ideológico. É o caso de assaltar um banco, por exemplo, para obter fundos para determinado grupo político. Assim explica Delmanto (in: "Código Penal Comentado". p. 64. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.): "os crimes políticos próprios "somente lesam ou põem em risco a organização política", ao passo que os impróprios "também ofendem outros interesses além da organização política". Ou nas palavras de Acquaviva (in: "Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva". p. 427. 12. ed. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2004.): "O crime político próprio objetiva subverter apenas a ordem política instituída, sem atingir outros bens do Estado ou bens individuais; o crime político impróprio visa a lesar, também, bens jurídicos individuais e outros que não a segurança do Estado".

O professor de história da Unesp, Horácio Gutierrez, em anterior entrevista à reportagem da Rádio Eldorado AM/SP, afirmou que o seqüestro de Olivetto atribuído ao grupo chileno foi um crime comum. "Eu estou mais propenso a acreditar que essa ação não foi política, foi um crime comum para benefício pessoal dos próprios integrantes. Isso porque não têm sido divulgadas notícias sobre ramificações deles não só com outros grupos chilenos como com outras organizações latino-americanas, do México ou da Colômbia".

Partilho de mesmo ponto de vista do professor, fundamentado também no parecer do Ministro Celso de Mello, relator do processo de extradição.

Uma retrospectiva do processo:
O STF já autorizou a extradição do chileno Mauricio Hernández Norambuena, preso e condenado no Brasil sob acusação de comandar o sequestro do publicitário Washington Olivetto entre 2001 e 2002, mas impôs uma exigência ao governo do Chile e condicionou a saída imediata à decisão do presidente Lula.
O governo chileno teria de se comprometer a substituir as duas penas de prisão perpétua contra Norambuena naquele país em prisão temporária de até 30 anos, e ele deverá primeiro cumprir a pena brasileira, também de 30 anos, a não ser que, por razões políticas ou diplomáticas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decida extraditá-lo antes.
O Ministério da Justiça informou que a ida de Norambuena poderá ser imediata, por decisão dos dois países. O motivo é a existência de tratado bilateral de transferência de presos entre o Brasil e o Chile.
No Brasil, o sequestro é crime hediondo, e os condenados por esse tipo de delito não têm direito à progressão do regime, mas o STF está para rever essa questão e permitir a atenuação da pena.
Nesse caso, Norambuena teria a chance de ficar apenas cinco anos preso no Brasil, incluindo os períodos já cumpridos, mas poderá permanecer aqui em regime semi-aberto. No Chile, o tempo de cumprimento da pena aqui poderá ser descontado na execução das condenações de lá, disse o relator do processo de extradição, ministro Celso de Mello.
A extradição foi aprovada por decisão unânime. A transformação das penas de prisão perpétua foi exigida porque a Constituição brasileira não admite prisões dessa natureza, apenas as temporárias. Nesse ponto, os ministros Carlos Velloso e Nelson Jobim foram contra.
O advogado de Norambuena, Jaime Alejandro Salazar, disse que o seu cliente quer retornar a seu país para ficar próximo a seus familiares, negou que o objetivo seja usufruir de eventuais benefícios na prisão lá e reclamou do regime do presídio de segurança máxima, onde ele cumpre a pena.
Olivetto foi sequestrado na noite de 11 de dezembro de 2001, ao deixar a sua agência, a W. Brasil. Ele foi mantido em um cativeiro no Brooklin, na zona sul de São Paulo, por 53 dias. Norambuena e os outros acusados foram presos em fevereiro de 2002, logo após a libertação de Olivetto.
Integrante de organização de esquerda "Frente Patriótica Manuel Rodríguez", Norambuena foi condenado no Chile à prisão perpétua pelo assassinato do senador Jaime Guzmán, por quadrilha armada e pelo sequestro de Cristián Edwards del Rio, filho do dono do jornal "El Mercurio", entre 1991 e 1992. Em dezembro de 1996, ele fugiu de prisão de segurança máxima.
Relator do processo de extradição, Celso de Mello descartou a natureza política tanto do seqüestro de Olivetto quanto dos crimes a que foi condenado no Chile, embora todos tenham sido reconhecidamente motivados por atividade terrorista. A Constituição brasileira proíbe a extradição no caso de crime político.Entretanto ele diferenciou o terrorista do criminoso político. "O terrorista não deve ter o mesmo tratamento benigno do autor de crime político".
Norambuena já foi transferido quatro vezes de penitenciária e atualmente encontra-se no presídio de segurança máxima em Catanduvas, no estado do Paraná e com 1/6 de sua pena cumprida, o pedido de progressão para o regime semi-aberto é negado justamente pelo fato de ser estrangeiro e não conseguir vincular a progressão ao trabalho.

A situação do detento chileno, na verdade, traz à tona o debate sobre o RDD, uma medida polêmica entre os especialistas. Em parecer elaborado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, o sistema RDD seria inconstitucional. Segundo relatório produzido por Carlos Weis, em novembro de 2006, após visita no Centro de Readaptação Penitenciária (CRP) de Presidente Berdardes, em São Paulo, o regime fere a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em vigor desde 1984, no qual o Brasil é signatário desde 1989. “O isolamento celular por 22 horas diárias viola a Constituição da República e as Regras Mínimas para o Tratamento de Presos da Organização das Nações Unidas, normas de interpretação da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes das Nações Unidas”, relata o documento.

Conclusão:

Compreende-se o empenho de autoridades chilenas, organizações pacifistas, humanitárias e outras, alem de familiares do detento, no sentido de concretizar a extradição do mesmo, para seu Pais de origem. Há indiscutivelmente, fundamentos doutrinários a embasar esta ação conjunta.

Por outro lado, questiono:

a) Não estaria havendo uma certa “exarcebação doutrinaria”, no sentido de construir “classificações convenientes”, para eventos criminosos, buscando enaltecer sua suposta “condição política” ?
b) Em tese, se ampliarmos o alcance dessas linhas doutrinarias, poderíamos classificar qualquer crime como político. A exemplo: se um criminoso reincidente e irrecuperável, assaltar um banco, para obter recursos em proveito próprio ou de um grupo qualquer, poderia arguir em sua defesa, ter praticado um “crime político”, por discordar da situação política e econômica do seu Pais, cujo governo, não lhe propicia oportunidades de emprego, condizentes, para desfrutar de uma vida “politicamente correta”... ou seja, na sua visão, uma vida sem trabalho e esforços honestos para ganhar a vida.
c) Não concordo e desconfio dos propósitos das ações panfletárias de organizações “humanitárias”, que desenvolvem campanhas que ao meu ver, ocultam interesses não claramente explicitados: de um lado, argumenta-se que o criminoso estaria sujeito a “condições desumanas”; mas, alguma dessas organizações por acaso, mobilizou-se, sensibilizou-se ou agiu, diante a condição de quase um “morto vivo”, apresentada pelo sequestrado, após sofrer a violência de 53 dias de verdadeiras torturas de toda ordem?
d) Algo humanamente crível, poderia justificar ou explicar, as ações torpes e a insanidade de indivíduos que atentam contra a dignidade do sequestrado, em troca de um punhado do vil metal – com objetivos que somente o mais cruel sadismo e vilania explicam?

Por todo exposto, considero que o governo brasileiro, deve, a titulo de exemplo, impor todo rigor e limitações jurídicas, a qualquer concessão nesse e qualquer outro caso similar.

A pena, em tese, tem um caráter educativo. Se na pratica não consegue reeducar e recuperar o condenado, ao menos, que sirva de exemplo a outros candidatos da “escola do crime”. Do contrario, estaremos institucionalizando a impunidade e abrindo precedentes a outras ações similares.

Postado por Paulo R. M. Lima

Nenhum comentário:

Postar um comentário