28 de setembro de 2009

Resumo de Direito Internacional Público - II Crédito

Ab initio, deve-se abordar uma rápida noção de personalidade internacional, a fim de sabermos quem são as pessoas que tem direitos e deveres no cenário internacional. Essa mesma noção se atrela à noção de personalidade que temos do indivíduo enquanto titular de direitos e obrigações. E no plano internacional, são dotados de personalidade os Estados, ainda como autores principais do DI; as organizações internacionais que, mesmo recentes, já foram reconhecidas enquanto titulares de direitos e obrigações, representando no campo do DI a luta pelos direitos humanos já comum no plano interno; e o indivíduo, que passou a ser mais valorizado com essa luta pela dignidade humana.

Neste ponto, vale ressaltar que personalidade não pode ser confundida com capacidade, uma vez que esta última não é dada aos indivíduos, ou seja, não pode ele criar normas internacionais.

Assim, então, podemos falar algumas noções inicias do conceito de Estado, que compreende sua base física (muito importante, porque sem ela aquela nação não existe como Estado). Aqui, ressalta-se o exemplo da Palestina, que não tem, mas por opções políticas, para não aumentar o número de conflitos naquela região, reconhece-se o Estado Palestino, mesmo sem base física (território). Ademais, há também o povo, que é a noção pessoal do Estado, podendo haver, no entanto, estados com mais de um povo, como em vários casos da África. Há, ainda, a nacionalidade, pois aonde quer que estejamos, seremos considerados cidadão dos nossos Estados pelo vínculo de nacionalidade. Também o governo, que é o poder que tem autoridade sobre o território. Não há Estado sem governo para manter a ordem, independentemente do regime, como o caso atual de Honduras. Por fim, fala-se na soberania como elemento integrante do Estado, fazendo com que o Estado não reconheça nenhum poder acima de si.

Por falar em reconhecimento, colhemos o ensejo para adentrar na seara do reconhecimento de Estado e de Governo. Para um Estado ser reconhecido ele deve ter um governo independente, estar sob um território delimitado, e deve haver efetividade do governo sobre este território. Recentemente, tivemos o caso do Kosovo, que alcançou todos esses requisitos e não foi reconhecido pela Sérvia e alguns outros países. Havendo o reconhecimento, o Estado passa a existir como ente do DI, com direitos (proteção) e obrigações no cenário internacional, podendo ter relações diplomáticas com outros Estados.

Já para que um governo seja reconhecido, ele precisa ter um controle efetivo da máquina administrativa do território e do país, precisa cumprir as obrigações internacionais, como pagamento de dívidas do Estado no cenário internacional (principal requisito, para a doutrina). Importante também é a noção de como surge um novo governo, que deve se confundir com um novo presidente ou chanceler eleito. É que o DI não apóia golpes de Estado, mas existem formas de ruptura constitucionalmente aceitas pelo DI, ou seja, pode uma revolução ser reconhecida, com o fim de se evitar uma intervenção estrangeira naquele país. Toda vez que um governo é modificado por intervenção estrangeira, o DI não reconhece. Só reconhece se uma mudança for operada pelos próprios cidadãos do Estado e depois a sociedade internacional for convencida de que aquilo era necessário. Na contra-mão, a intervenção comandada pelos EUA no Iraque mostrou que na prática nem sempre a teoria se aplica.

Além disso, para o reconhecimento de um governo deve-se considerar a existência de democracia e eleições livres, já que todo novo governo que toma o poder e entra no cenário internacional, tem um prazo curto para convocar eleições diretas e livres para suprir a ruptura do sistema constitucional. A dificuldade está no fato de que quem toma o poder dificilmente vai querer perde-lo, acabando por protelar a realização das eleições ou manipulá-las para continuar no poder. Atualmente, há um grande exemplo com o caso de Honduras, onde o novo governo certamente não será reconhecido pela maioria dos Estados, que podem expressar essa posição com a retirada formal de seus diplomatas daquele território.

Com o reconhecimento de governo, se estabelecem as condições para operacionalizar as relações diplomáticas que são estabelecidas quando do reconhecimento de Estado. Ademais, os Estados ganham imunidade de jurisdição, porque é reconhecida sua soberania, mesmo em território alheio, estando protegidos seus governantes, suas tropas, seus bens etc. Ganha o Estado, também, capacidade para demandar em tribunais estrangeiros e as leis e atos do governo são admitidos (como vistos e decretos) como válidos.

O reconhecimento pode se dar de forma expressa (através de notificação ou declaração oficial) ou tácita (quando o Estado apenas pratica atos que reconhecem aquele governo, como simplesmente celebrar um tratado com o novo chefe de governo ou manter os diplomatas no país e receber os diplomatas daquele novo governo, ou seja, acreditar os diplomatas.) Pode, também, ser o reconhecimento individual, como Kosovo, inicialmente reconhecido apenas pelos EUA, como coletivo, quando um bloco econômico, por exemplo, reconhece um novo governo.

Duas doutrinas explicam o reconhecimento de governo. A doutrina Tobar (de Carlos Tobar) dizia que o reconhecimento de um governo não poderia acontecer imediatamente, devendo aguardar a manifestação da população daquele Estado. Tinha esse posicionamento porque era muito comum na América Latina os golpes de Estado. Afirma-se que dessa forma se evita uma intromissão indevida de outros Estados naquele país. É uma teoria criticada porque não se considera necessário a população reconhecer ou não. Basta que haja um novo governo, só sendo necessário esse reconhecimento se surgir o novo governo de uma ruptura não constitucional.

A outra doutrina é a Estrada, que valoriza a questão da forma. Se há uma ruptura do sistema tradicional de governo do país, não se deve esperar saber se houve apoio popular ou não. Atos implícitos dirão se há o reconhecimento ou não, como manutenção dos diplomatas, não celebração de tratados, não acreditar os diplomatas que vem daquele Estado. O Estado deve se posicionar para saber se reconhece ou não sem interferir no processo de reconhecimento daquele novo governo pela sua população.

O fato é que, atualmente, nenhuma das duas doutrinas prevalece. Na prática, deve-se seguir uma análise do caso prático para saber qual a que melhor será aplicada.

Outro ponto importante, ainda falando de Estado, é o relativo a seus direitos fundamentais, uma vez que enquanto ente, personalidade do DI, possui direitos fundamentais. São estes direitos: a soberania, pois ao mesmo tempo em que é requisito, é um direito, já que protege conceitos como território, riqueza e jurisdição, através do seu exercício; a independência, que não pode ser só política, mas deve buscar ser econômica e social. É o exemplo do 7 de setembro para o Brasil, que já era politicamente independente, mas dependia economicamente de Portugal; a igualdade jurídica, mesmo que não seja observada na prática; também a defesa, já que todo Estado tem o direito de agir para defender sua integridade territorial, seu espaço aéreo, suas riquezas. Sempre um Estado alega que está guerreando para exercer seu direito de defesa, mesmo que ele ataque. É o caso dos EUA depois do 11/09: ataca primeiro para não ser atacado. É a legítima defesa internacional. Neste ponto, vale lembrar que todas as limitações ao trânsito e à liberdade são permitidas em nome da segurança; e, por fim, a autodeterminação também é um direito fundamental dos Estados, já que eles tem a prerrogativa de cuidarem sozinhos de seus problemas internos, na economia, na política etc. Não cabe a nenhum outro Estado se imiscuir na economia interna daquele país para opinar, determinar os rumos etc.

E como quaisquer outros, os direitos fundamentais dos Estados também sofrem restrições, mormente no que tange à sua soberania interna, que é mitigada quando confrontada com a imunidade dos Chefes de Estado e de Governo de outro país dentro do seu território, o que inclui sua família e sua comitiva.

Aqueles que fazem parte de uma missão diplomática (do embaixador ao 3º secretário), não podem ter suas residências invadidas, nem podem ser obrigados a testemunhar, além de terem seus veículos invioláveis. É o caso dos embaixadores (representante geral do Estado, com todas as garantias) e dos cônsules (representantes de negócios do Estado, só estando imune por atos ligados à atividade funcional), em que ambos serão julgados em seus Estados de origem. Essa imunidade é tanto civil quanto criminal, além de terem essas pessoas também isenção fiscal, por se presumir que já pagam todos os impostos devidos a seu país de origem.

Por fim, fala-se, no âmbito dos Estados, no conceito de intervenção, que é uma limitação à soberania do Estado, sendo seu território ocupado por uma força militar estrangeira que dita as regras do seu governo, como as ocupações dos EUA no Iraque e no Afeganistão.

O professor Celso Melo (in Direito Internacional Privado, p. 492), diz que “a intervenção ocorre quando um Estado ou grupo de Estados interfere para impor a sua vontade, nos assuntos internos ou externos de um outro Estado soberano ou independente, com o qual existem relações pacíficas, e seu o seu consentimento, com a finalidade de manter ou alterar o Estado de coisas”.

Por ser tema altamente polêmico, questiona-se a legalidade da intervenção. Uma corrente defende ser ilegal qualquer tipo de intervenção, sob qualquer argumento. Outro grupo de países, dentre eles o Brasil, defende que a intervenção será legal quando tiver motivos legítimos e tiver sob a chancela da ONU.

Geralmente, justifica-se uma intervenção pelo seu caráter humanitário. No entanto, isso, hoje, tem sido rechaçado pela comunidade internacional porque se considera um argumento falacioso, uma vez que sempre há um segundo interesse nessa intervenção. Não tem sido mais tão aceita pelo DI.

Outro ponto de fundamental relevância é que nenhuma intervenção é justificável para paralisar uma guerra civil, com base no princípio da autodeterminação dos povos e no princípio da não-intervenção. A nenhum país é dado o direito de intervir em conflitos nacionais. A guerra civil deve ser resolvida pelos seus próprios nacionais, mesmo com exemplos contrários como o do Kosovo, da Bósnia, da Sérvia. A comunidade internacional deixou a guerra civil ocorrer até o ponto aceitável, mas não mais podia permitir o avanço da guerra civil sob pena de limpeza étnica, de uma etnia eliminando a outra. Deste modo, é necessário se verificar se se trata de guerra civil ou de um grupo querendo exterminar outro.

Há, ainda, que se falar que, se um país sofre uma intervenção, a ele e aos que lhe são favoráveis é dado o direito de contra-intervenção, ou seja, lutar para defender a soberania do Estado que está sendo invadido. Isso se fundamenta no direito de legítima defesa dos Estados, mesmo sendo feita por outros países. É uma forma de extensão do direito de defesa do Estado, que pode arregimentar Estados amigos para exercer o seu direito de defesa.

Por fim, importante ressaltar o direito de ingerência, que cuida de possibilitar a um país ou determinados grupos o direito de intervir em determinados países, como o caso da Cruz vermelha, dos Médicos sem fronteiras. Não é necessária autorização da ONU nem de governo local, apesar de ser aconselhável a chancela deste último. Essa ingerência é permitida em casos de catástrofes ou conflitos internos, como o tsunami da Indonésia ou os campos de refugiados de batalhas, já que, baseado nos direitos humanos, com propósito de paz, não se interfere diretamente no conflito, mas em seus resultados desastrosos, minimizando as conseqüências para os civis.

* Postado por Lucas Cunha Mendonça

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