6 de setembro de 2009

Direito Internacional Público - Discussões iniciais

No estudo do Direito Internacional Público, temos que, primeiramente, ter em mente o conceito de sociedade internacional, para a partir daí aprofundarmos a análise em questões outras. Dessa forma, podemos nos referir à sociedade internacional como sendo uma sociedade global, uma reunião de diferentes Estados e organizações internacionais que se relacionam diplomaticamente, considerados de forma igualitária e sem a presença de um poder central, que tem como objetivo primordial intermediar e equilibrar iguais ou diferentes interesses necessários ao desenvolvimento de cada Estado e do conjunto de Estados. Seus entes componentes portanto são os Estados, os homens e as organizações internacionais.
A presença de disposições que regulamentam as relações internacionais refletem a máxima Ubi Societas Ibi Ius, onde há sociedade há o direito. E no plano internacional não poderíamos admitir a ausência do Direito.
Nesse sentido, ao estabelecermos uma comparação entre a sociedade internacional e a ordem interna de cada Estado, podemos perceber que enquanto nesta a autoridade superior garante a vigência da ordem jurídica, subordinando a maioria às disposições determinadas pela minoria, através de proposições legislativas e atos administrativos e políticos impositivos, naquela não se reconhece autoridade impositiva de determinações, não se encontrando no plano internacional autoridade superior nem milícia permanente.
No plano internacional, os Estados se organizam horizontalmente, e dispõem-se a proceder de acordo com as normas jurídicas na exata medida em que estas tenham constituído objeto de seu consentimento. A criação das normas é, assim, obra direta de seus destinatários. Diferentemente do direito interno, na sociedade internacional não há hieraquia de normas, e o princípio que preside a convivência organizada das soberanias é o princípio da coordenação, e não da subordinação, típica de direito interno.
Destacando as principais características da sociedade internacional temos que ela é:

-Universal: porque abrange todos os entes do globo terrestre;
-Paritária ou formalmente igualitária: Todos os Estados, mesmo que teoricamente pensando, devem ser tratados de forma igual. Sabe-se no entanto das disparidades entre os Estados, o que corrompe a igualdade real;
-Aberta: porque todos os entes, ao reunirem certas condições, dela se tornam membros, sem necessidade de aprovação prévia dos demais;
-Descentralizada: não há um poder central. A solução dos problemas se dá de forma descentralizada. Inexiste, em seara internacional, uma estrutura de repartição de poderes ao estilo do Estado Moderno;
-Direito originário: criam leis entre as partes.

Na tentativa de explicar qual seria o fundamento do Direito Internacional Público, correntes de pensamento surgiram para tentar esclarecer o porquê de os Estados respeitarem o que o Direito Internacional dispõe. As mais importantes e estudadas são as teorias voluntaristas e objetivistas.

a)Teoria Voluntarista: Os voluntaristas sustentam que o Direitos das Gentes tem seu fundamento na vontade dos Estados, destacando-se quatro doutrinas que basicamente assim pensam:
a.1) Auto limitação: Foi Georg Jellinek que lhe deu formulação definitiva. Tem por base a idéia de que o Estado, por ser senhor absoluto de seu destino, para conviver pacificamente com outros Estados, se autolimita. As normas internacionais somente são obrigatórias pelo consentimento do Estado em se limitar. Essa é uma teoria mais frágil, porque não se pode aceitar que a validade do Direito encontre amparo para o interessado tendo em vista apenas sua própria vontade, que poderia, de um momento para outro, não mais se manifestar de acordo com a regra, inviabilizando-a.
a.2) Vontade Coletiva: Seu representante maior foi Heinrich Triepel, seguindo por Dionisio Anzilotti. Segundo tal teoria, o Direito Internacional é um produto da vontade dos Estados, coletivamente considerados, como uma espécie de acordo coletivo. A crítica a que ela se dirige é que essa teoria não explica como um Estado novo, que surge na órbita internacional, está obrigado a uma norma que foi elaborada antes. Outra objeção é a de que, se o Direito nasce de um acordo entre Estados, basta que um deles retire sua vontade invidividual para que o Direito não mais se sustente.
a.3) Do consentimento das nações: Seus autores inspiradores são Oppenheim, Lawrence e Hall. Partiam da existência de uma família de nações, constituída tendo em vista interesses econômicos e afinidades culturais. Um consentimento mútuo revela-se na vontade majoritária dos Estados. Ficam sujeitas às mesmas críticas que se fizerem à teoria da vontade coletiva, porque não poderia o Direito Internacional ficar sujeito às decisões de um ou mais Estados.
a.4) Da delegação do Direito Interno: Fundada por Max Wenzel. Seus seguidores procuram justificar a obrigatoriedade do Direito das Gentes no Direito Interno de cada país, através desta na Constituição do Estado. É uma consequência natural da teoria da autolimitação. No fundo, essa teoria termina por negar o Direito Internacional.

b) Teoria Objetivista: Os objetivistas constituem-se numa reação ao voluntaristas, ocorrendo nos últimos anos do século XIX. Afirma-se por essa doutrina que o Direito Internacional não retira sua obrigatoriedade da vontade dos Estados, e sim da realidade internacional e nas normas que regem essa realidade e que independem das decisões dos Estados. Dentro dessa teoria destacam-se algumas variedades de pensamento:
b.1) Norma-base: Kelsen é o seu maior representante. A ordem jurídica deriva de uma superposição de normas, em que a validade de uma norma posterior deriva da que lhe é anterior ou superior. A validade da norma jurídica, pois, não depende da manifestação da vontade, mas, sim, de outra norma jurídica. A norma base está acima da vontade do Estado.
b.2) Direitos fundamentais dos Estados: Pillet, Rivier. Segundo essa corrente, os Estados viveriam em verdadeiro estado de natureza. Os Estados, assim como os homens, possuiriam direitos naturais e fundamentais pelo simples fato de existirem. O respeito ao Direito Internacional decorreria da força proveniente de seus direitos fundamentais.
b.3) “Pacta sunt servanda”: Segundo essa corrente tudo aquilo que foi pactuado deve ser cumprido. Entretanto, não explica o fenômeno costumeiro, tão presente no Direito Internacional.
b.4) Teoria sociológicas: Declara que o Direito é um produto de meio social, deriva diretamente dos fatos sociais e tem como fundamento a solidariedade ou interdependência entre os homens.
b.5) Teoria do Direito Nacional: Sustenta a existência de um Direito superior e independente do direito positivo, a Lei eterna, que possui tríplice caráter:

-Objetivo: bem comum existe em si e não depende da vontade;
-Racional: é a razão que o concebe;
-Transcendente: é superior aos Estados. Assegura o bem a toda sociedade internacional.

No que diz respeito à relação entre o Direito Interno e o Direito Internacional, temos duas correntes que tentam estabelecê-la. São elas:
1. Dualismo: Para os autores dualistas, o direito internacional e o direito interno de cada Estado são sistemas rigorosamente independentes e distintos, de tal modo que a validade jurídica de uma norma interna não se condiciona à sua sintonia com a ordem internacional.
2. Monismo: Sustenta que o Direito Internacional e o Direito Interno são dois ramos de um único sistema, defendendo uns o primado do primeiro, e outros a primazia do segundo.

Passando da teoria para a real aplicação do Direito Internacional, faz-se necessário estudar as fontes de tal ramo do Direito. Fonte do Direito representa o modo pelo qual este se manifesta. A Corte Internacional de Justiça, em seu artigo 38, declara que são suas fontes os tratados, os costumes e os princípios gerais do Direito. Fez referência à jurisprudência e à doutrina como meios auxiliares na determinação das regras jurídicas, e facultou, sob certas condições, o emprego da equidade.
De maneira resumida, podemos afirmar que o Direito Internacional possui como fonte: Tratados; Costumes Internacionais; Princípios Gerais do Direito; Atos unilaterais dos Estados e as Decisões da Organizações Internacionais.
Os Tratados são considerados a fonte mais importante do Direito Internacional, pois regulam as matérias mais importantes. Até 1969 os tratados eram tradicionalmente regidos pelos costumes. Em 1969 realizou-se em Viena a Convenção do Direito dos tratados, codificando o direito costumeiro existente.
Tratado é todo acordo forma concluído entre sujeitos de Direito Internacional Público, destinado a produzir efeitos jurídicos. O art. 2º da Convenção de Viena assegura que “ Tratado significa um acordo internacional concluído entre Estados em forma escrita e regulado pelo Direito Internacional; consubstanciado em um único instrumento conexo, qualquer que seja a sua designação específica”.
Diversas terminologias são utlizadas no que diz respeito aos Tratados, como por exemplo Convenção; Declaração; Ato; Pacto; Ajuste; Arranjo, de sorte que apenas se tratam de variantes terminológicas de tratados. Apenas o termo concordata possui, em direito das gentes, significação singular: este nome é estritamente reservado ao tratado bilateral em que uma das partes é a Santa Sé, e que tem por objeto a organização, a disciplina eclesiástica, missões apostólicas, relações entre a igreja católica local e o Estado co-pactuante.
Os tratados podem ser classificados em: Formais ou Materiais. Aqueles dizem respeito ao número de partes pactuantes, que podem ser portanto tratados bilaterais ou multilaterais. Já estes possuem relação com o tratado lei (criação de efeitos normativos, estabelecimento de regras gerais, fontes de normas internacionais); e o tratado contrato (negócio jurídico, conciliação de interesses para as relações mútuas entre as partes, fontes de obrigações).
As condições de validade dos Tratados : 1. Capacidade das partes – é reconhecida aos Estados soberanos, às Organizações internacionais, aos beligerantes, à Santa Sé e a outros entes internacionais. Os membros de uma federação podem concluir tratados se investidos de poder pelo direito interno; 2. Habilitação dos agentes contratantes - É feita pelos “plenos poderes”, que dão aos negociadores o poder de negociar e concluir o tratado. Dá-se o nome de plenipotenciários àqueles que possuem plenos poderes para negociar; 3. Consentimento mútuo - O acordo de vontade entre as partes não deve sofrer nenhum vício. O erro o dolo e a coação viciam os tratados; 4. Objeto lícito e possível – É nulo o tratado que violar os imperativos do Direito Internacional.
Importante frisar que um terceiro Estado só se submete às normas de um tratado se manifesta seu consentimento. Contudo, existem tratados que produzem efeitos em relação a terceiros Estados , que são os tratados que criam situações reais objetivas, ou tratados dispositivos. Em regra, os efeitos de um tratado se limitam às partes contratantes.
Até a entrada em vigor de um tratado, faz-se necessário que este perpasse por alguns atos até que finalmente possa surtir os efeitos desejados pelas partes contratantes. Inicialmente temos a negociação, que é a fase inicial do processo de conclusão do tratado. Esta fase pode ser estabelecida através de uma minuta, que trará um mínimo de entendimento entre as partes. Posteriormente, tem-se a assinatura, que não representa, em regra, a obrigação, porém atesta que as cláusulas pactuais, conforme postas, são autênticas. O Estado normalmente se obriga por intermédio da ratificação, fase subsequente da assinatura, e que caracteriza-se como ato unilateral com o que o co-partícipe da feitura de um tratado expressa em definitivo sua vontade de se responsabilizar, nos termos do tratado, perante a comunidade internacional.
Após a ratificação, segue-se a promulgação, o registro e finalmente a publicação, que certifica a existência do tratado, podendo o mesmo ser aplicado no âmbito interno.
A aplicação do tratado no âmbito interno e até mesmo internacional deve acontecer de forma que, ao ser interpretado, sejam utilizados princípios dispostos no artigo 31 da Convenção de Viena, como a boa-fé, a análise do preâmbulo, o acordo entre as partes e as normas de direito internacional.
Segundo o doutrinador Carlos Roberto Husek, em sua obra “Curso de Direito Internacional Público”, como acontece nos contratos de Direito Interno, pode o tratado padecer de vício de consentimento, dado pelo sujeito internacional, considerando-se vício o erro, o dolo, a corrupção do representante do Estado ou coação por este sofrida. As consequências seriam a anulabilidade da cláusula viciada ou a nulidade de todo o tratado. O art. 52 da Convenção de Viena determina “É nulo o tratado cuja conclusão foi obstada pela ameaça da força em violação dos princípios de Direito Internacional incorporados na Carta das Nações Unidas”, O art. 53 fala da nulidade do tratado em conflito com norma imperativa de Direito Internacional.
Sendo o tratado válido e eficaz, a sua extinção pode se dar de diversas formas. A extinção de um tratado é o desaparecimento deste da ordem jurídica internacional. Pode se dar por consentimento das partes (pelo término do prazo estabelecido, pelo cumprimento do objeto do tratado, e no caso de tratados por tempo indeterminado pelo consentimento das partes); por vontade unilateral de uma das partes (pela disposição do tratado, pelo direito tácito de denúncia ou retirada, pela violação ao tratado ou pela impossibilidade subsequente de execução); como pode se dar também não por motivo das partes, como é o caso de emergência de nova norma imperativa (jus cogens) e pela eclosão de guerra.
Continuando a tratas das fontes de Direito Internacional, não poderíamos deixar de lado o costume, visto que se trata de fonte bastante representativa deste ramo do Direito que aqui estamos analisando. O costume internacional está definido no art. 58 do Estatudo da CIJ, como uma prova de uma prática geral e aceita como sendo o direito. É uma espécie de norma naturalmente formada pela vontade das partes.
Dois elementos distinguem-se no conceito de costume: o objetivo, que representa a própria prática reiterada de atos, e o subjetivo que é a certeza de cada um de que aquela maneira de agir é correta. Suas características refletem-se na prática comum (uniforme), na prática obrigatória e na prática evolutiva, visto que possui dinamicidade que lhe permite adaptar-se às novas circunstâncias sociais.
A prova do costume, e, assim, do efeito vinculativo para o Estado se dá pelas declarações políticas e correspondências, devendo ser feita por quem o alega, embora há que se supor que um Tribunal conheça o Direito e possa aplicar o costume mesmo que não tenha sido expressamente arguido.
Entre o costume e o tratado não há hierarquia, e segundo Franciso Rezek, em sua obra “Direito Internacional Público”, um tratado é idôneo para derrogar, entre as partes celebrantes, certa norma costumeira, e de igual modo, pode o costume derrogar a norma expressa em tratado. O fim do costume pode se dar através de tratado mais recente que o codifica ou derroga, por desuso (quando deixa de ser aplicado) ou através do surgimento de um novo costume.
Após analisarmos o costume como fonte do DIP, vamos tratar também dos Princípios Gerais do Direito, que apresentam grande contribuição como fonte do referido Direito das Gentes. Tal fonte é citada no artigo 38 da Corte Internacional de Justiça, como acima foi explanado.
Princípios Gerais do Direito são fontes acessórias e auxiliares que completam as lacunas do Direito Internacional Público quando há falta de tratado ou costume. Na maioria das vezes coincidem com o costume geral. Vale lembrar que estes princípios são de origem ocidental, e pode-se notar que alguns deles são criados por nações mais fortes e impostos às outras nações como forma de legitimar interesses ocultos.
Representam os princípios normas internacionais imperativas para a comunidade mundial, nos termos do art. 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, como, por exemplo, a igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos. A finalidade da inclusão dos Princípios Gerais do Direito no artigo 38 da CIJ foi a de evitar um “non liquet” por parte da corte nos casos em que não existisse um tratado ou costume internacional.
Outra forma de expressão do DIP é encontrada nos atos unilaterais dos Estados. O art. 38 do Estatuto da Corte não menciona os atos unilaterais entre as fontes possíveis de direito internacional público, sendo poucos os autores que lhes concedem essa qualidade, sendo comum de outro lado, segundo Francisco Rezek, a lembrança de que eles não representam normas, porém meros atos jurídicos.
Os atos aqui tratados são aqueles em que a manifestação da vontade é suficiente para produzir feitos jurídicos, tendo como condições de validade a proveniência de um Estado soberano ou outro sujeito de Direito Internacional, o respeito às normas do D.Internacional, ser vontade real e não criar vícios, e que vise a criação de norma de direito. Exemplos de atos unilaterais: Silêncio; Protesto; Notificação; Promessa; Denúncia; Renúncia e o Reconhecimento.
Por fim, e não menos importante, temos como fonte do Direito Internacional Público as decisões das organizações internacionais, também chamadas de leis internacionais. São as deliberações oriundas de organizações internacionais, obrigatórias aos seus membros, independente de ratificação. Apesar destas deliberações serem diretamente exequíveis, não possuem poder coercitivo. Atualmente, a principal organização internacional fonte de leis internacionais é a Assembléia Geral da ONU.
Assim, pudemos analisar, mesmo que de forma sintética, o conceito de sociedade internacional e suas principais características, o fundamento do DIP e suas teorias, e principalmente as fontes do Direito Internacional Público, demonstrando as suas singularidades e importância. Dessa forma, prosseguiremos nossos estudos pelo Direito Internacional já tendo em mente tais importantes elucidações.

*Postado por Priscila Matos Oliveira

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