7 de setembro de 2009

Direito Internacional Público - Resenha do assunto do I Crédito

Não se pode falar em Direito Internacional Público (DIP) sem antes ser ressaltada a sua relevância acadêmica e as razões que levaram este ramo da ciência jurídica aos currículos das diversas faculdades brasileiras. Com efeito, vive-se, atualmente, numa sociedade internacional absolutamente descentralizada, onde a globalização e as intensas mudanças na economia, na política e na forma de organização dos Estados vem mostrando o quão importante é o estudo do fenômeno das relações internacionais entre esses entes soberanos, a fim de que se possa melhor regulamentá-las e extrair destas relações a melhor forma de convívio entre as nações, na busca pela paz internacional. Daí porque se tornou essencial o estudo do Direito Internacional (público ou privado) no mundo acadêmico.

E no âmbito deste ramo do Direito Internacional, abordar a sociedade internacional como forma de iniciar um estudo da disciplina afigura-se a melhor opção. Conforme já mencionado, a sociedade internacional, em razão da dinâmica das relações entre os povos, é totalmente descentralizada, o que dificulta, inclusive, o Estudo da disciplina do DIP, porque não há uma fonte precisa de Estudo, como há no Direito Interno, onde o Estado, com sua autoridade soberana, garante a vigência da ordem jurídica.

No plano internacional, nas palavras de Francisco REZEK (in Direito Internacional Público – Curso elementar. 11. ed. rev. e atual. 2ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2008), não há autoridade superior que faça valer a vontade de uma maioria. Os Estados se encontram em uma linha horizontal, como formas paralelas de poder em um mesmo ambiente. Em conseqüência, não há também hierarquia entre as normas criadas pela e para a sociedade internacional, de modo que a coordenação, ao invés da subordinação, é o princípio que rege, ou busca reger, a convivência entre as nações.

Outro ponto introdutório sobre a sociedade internacional da forma como ela é vista atualmente, composta pela coletividade dos Estados, Organizações Internacionais e os povos, é a importante noção de que o Estado só se submete à ordem jurídica da sociedade internacional, ou seja, só é internacionalmente jurisdicionável, se ele próprio aderir às normas do DIP. Somente se o Estado manifestar sua aquiescência anterior a determinada regra é que uma sentença emanada de uma corte internacional terá feições de obrigatoriedade e considerará ilícito determinado ato praticado por uma nação soberana. Somente em razão de sua vontade, portanto, um Estado estará inserido na sociedade internacional.

Aqui, justamente por ver-se que a sociedade internacional só será eficazmente reconhecida se os próprios Estados quiserem, é que se encontra um problema de alto relevo: o DIP carece de força coercitiva para impor suas normas. Não há precisão na definição de quem tem legitimidade para impor as regras de DIP. Não há um super-Estado capaz de sobrepor-se às nações e aos seus interesses. O lógico seria que a ONU exercesse um papel ao menos semelhante, mas na prática isso não se observa, uma vez que muitos países, ao invés de buscar a paz entre os povos através das normas internacionais (pacifismo jurídico), acreditam na idéia contraditória de que somente a guerra é capaz de dar fim aos conflitos. Exemplos são os EUA, a Rússia, a China, Israel e muitos outros países que têm alto poder bélico.

Em síntese, pode-se constatar que, enquanto no direito interno a ordem jurídica é vertical, as normas são dotadas de hierarquia, há subordinação dos membros do Estado às normas e estas são criadas pelo sistema de representação (parlamento), a ordem jurídica na sociedade internacional é horizontal, posto que não há sobreposição de Estados sobre outros e, consequentemente, não há hierarquia entre as normas, bem como prevalece a coordenação sobre a subordinação e as normas internacionais são criadas diretamente pelos Estados, sem levar-se em conta o sistema de representação.

Neste ponto, surge uma questão crucial: como teria a sociedade internacional chegado a este estágio de evolução, em que os povos buscam conviver harmonicamente, sopesando sua soberania interna em constante equilíbrio com a cooperação internacional? A resposta, sem sombra de dúvidas, está na análise histórica dos fundamentos que trouxeram a disciplina do Direito Internacional Público ao seu status atual, conforme restará demonstrado.

Muitas doutrinas tentaram, ao longo da história, explicar a conjuntura da sociedade internacional, sendo divididas em dois grandes grupos: as doutrinas voluntaristas e as doutrinas objetivistas.

No campo das doutrinas voluntaristas, que de forma geral aduzem que a obrigatoriedade da norma decorre da vontade dos Estados, quatro se destacam:

A) Autolimitação, de Georg Jellinek -> por ser o Estado uma nação soberana, ele só respeita a norma internacional porque assim o deseja. Deste modo, o Estado se autolimita. É criticada porque não se sabe se a vontade é do Estado ou do governante, o que possibilita que o Estado extinga essa limitação facilmente.
B) Vontade Coletiva, de Henrich Triepel -> aqui, o DIP se fundamentaria na vontade coletiva dos Estados. Facilmente criticada quando analisados os momentos da história em que os desejos das nações não convergiram numa só direção, como na Guerra Fria. Não explica também o dever de obediência imposto a um novo Estado, que nenhum tratado firmou, como o Timor Leste.
C) Consentimento das Nações, de Hall e Openhein -> para esses teóricos, o Direito Internacional se baseia na vontade da maioria da maioria, no consenso. É rechaçada por não ser capaz de explicar a existência do costume como fonte do DIP, tampouco ser apta a justificar a instabilidade da vontade estatal.
D) Delegação do Direito Interno -> o DIP se fundamenta em uma previsão anterior da Constituição de cada Estado, como o caso do Brasil, de modo que muitos acreditam estar nessa teoria a obrigatoriedade do DIP. O ponto fraco dessa teoria é esquecer que o Estado pode modificar sua Carta Política. Ao menos no Brasil essas normas são cláusulas pétreas, mas nada impede que outros países as disponham de modo diverso, sem considerar, ainda, os países onde a religião sobrepõe-se à ordem jurídica.

Já no campo das doutrinas objetivistas, que defendem a existência de uma norma supra-estatal pressuposta, estas são as de maior destaque:

A) Norma-base, ou Teoria da Pirâmide -> aduz que a validade de uma norma depende da que lhe é imediatamente superior. É combatida por uma simples constatação: entrar-se-ia em um círculo vicioso em que sempre seria necessário buscar uma norma superior que explicasse as demais, até que não se obteria esta resposta. Ademais, já se viu que não há hierarquia entre as normas de DIP.
B) Direitos Fundamentais do Estado -> a superioridade do Direito Internacional Público se explicaria em razão da existência de uma norma hipotética fundamental, inexistente nos Estados, que viveriam em um estado de natureza. Constata-se, no entanto, que nunca existiu um estado de natureza. Se assim fosse, viver-se-ia em constantes conflitos.
C) Pacta sunt servanda -> seguindo um axioma do direito dos contratos, afirma esta teoria que as normas de DIP surgem a partir do momento que os Estados celebram os tratados. Perde sua força ao ignorar as normas internacionais que não estão formalizadas nos tratados mas são dotadas do mesmo valor.
D) Teoria Sociológica -> o que legitima o respeito à norma internacional, segundo esta corrente, é a solidariedade entre os Estados. No entanto, não contempla o fato de cada Estado ter seus próprios interesses e, muitas vezes, a tragédia de um ser a glória do outro.

Paralela a todas essas teorias voluntaristas e objetivistas, dotadas de falhas que as desabilitam a explicar o fenômeno da norma internacional, corre a Teoria do Direito Natural, criada em tempos remotos, por Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, e por muito tempo sufocada pelo positivismo jurídico.

Antes desta corrente voltar à tona, o homem entendia que apenas o fato de a norma estar posta e imposta no ordenamento jurídico era suficiente para explicar e resolver todos os problemas. No entanto, graves crises econômicas e sociais e grandes guerras que assolaram o mundo fizeram as pessoas perceberem que o simples fato de a norma estar escrita não a dotaria de obrigatoriedade na sua observância. Mesmo se falando em liberdade, igualdade e fraternidade e tendo muitas normas que consagravam esses princípios sido positivadas, o homem matou, escravizou e torturou seus semelhantes.

Diante desta realidade, voltou-se a pensar como São Tomás de Aquino e Santo Agostinho: há um direito que está acima do direito positivo, regras divinas inerentes à sociedade, oriundas da divindade e que devem ser observadas para que o mundo seja mais justo, o homem seja respeitado e tinha dignidade.

E esta vontade divina não precisa buscar explicações no misticismo ou na metafísica para ser justificada: a mesma divindade que impõe sua vontade dotou o homem de razão para captá-la e entendê-la. Portanto, o homem é dotado de racionalidade para abstrair a vontade divina e transformá-la em algo racional e palpável.

Deste modo, a Teoria do Direito Natural, atualmente a mais aceita pela doutrina para explicar a obrigatoriedade do Direito Internacional Público, dota a lei divina de um tríplice caráter: objetivo, já que a finalidade é obter um bem comum, mesmo diante de conflitos; racional, posto que a razão humana transforma a lei eterna em algo palpável; e transcendente, uma vez que o bem comum é superior aos interesses particulares.

E partindo desta evolução teórica dos fundamentos da sociedade internacional como vista atualmente, mister se faz ressaltar a relação entre as normas do Direito Internacional e as normas do Direito Interno. Duas correntes tentam explicar essa relação: a dualista e a monista.

Para o dualismo, há duas ordens jurídicas distintas, uma interna e uma internacional, e, em tese, uma não tem o dom de interferir na outra. Já o monismo aduz que há uma só ordem jurídica. Para tanto, subdivide-se em duas outras teorias: a do monismo com enfoque no direito internacional, em que a única ordem jurídica relevante é a internacional, e do monismo com enfoque no direito interno, onde não se verifica a existência da ordem jurídica internacional.

A melhor doutrina entende hoje existir uma ordem jurídica interna e uma ordem jurídica internacional, porém dependentes uma da outra, com total interação e integração.

Após esta apertada síntese dos conceitos básicos da sociedade internacional, bem como dos seus fundamentos e da sua relação com as normas de direito interno, forçoso é dissecar, também, o rol de fontes do Direito Internacional Público, ou seja, de onde emanam as normas internacionais.

A Corte Internacional de Justiça (CIJ) reconhece, expressamente, os tratados, os costumes e os princípios gerais do direito como fontes do DIP. Ademais, não se podem deixar de considerar os atos unilaterais dos Estados (silêncio, renúncia) e as decisões das organizações internacionais como origens das normas de Direito Internacional Público.

Inicia-se esta análise pela mais fundamental das fontes do DIP: o TRATADO. Na lição de Francisco REZEK (ob cit.), “tratado é todo acordo formal, concluído entre pessoas jurídicas de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos”.

Depurando-se este conceito, tem-se que o tratado é formal porque, em tese, exige forma escrita. Ademais, seus sujeitos são os Estados e as Organizações Internacionais. Ressalte-se que o homem, enquanto pessoa física, não pode firmar tratados.

Complementa o conceito a idéia de que o tratado pode se consubstanciar em um único instrumento ou em instrumentos conexos, qualquer que seja a sua designação específica. Além de tratado, esta fonte do DIP pode também ser chamada de diversos outros nomes sinônimos, como convenção, declaração, ato, pacto, estatuto, protocolo, acordo, “modus vivendi”, concordata e compromisso.

Ademais, classificam-se os tratados, do ponto de vista formal, em bilaterais (duas partes apenas) e multilaterais, e do ponto de vista material, em tratado-lei e tratado contrato. Os tratados-lei produzem efeitos normativos gerais e são fontes de outras normas internacionais. São genéricos, como o exemplo da Convenção de Viena (o tratado dos tratados). Já os tratados-contrato são negócios jurídicos normalmente bilaterais, que resumem-se à conciliação de interesses particulares entre os Estados e são fontes de obrigações, como os tratados comerciais.

Para que os tratados sejam válidos, deve-se observar, anteriormente, suas condições de validade. São elas: capacidade das partes, de onde se depreende que deve ser um Estado ou uma Organização Internacional. O homem, apesar de ser dotado de personalidade, não tem capacidade internacional; habilitação dos agentes, ou seja, a pessoa que fala pelo Estado. Geralmente são os chefes de Estado ou de governo, os ministros das relações internacionais. Pode ser um cidadão comum, desde que de posse de uma carta de plenos poderes, assinada por agente habilitado; consentimento mútuo, pois o tratado, enquanto negócio jurídico, será nulo se for viciado por erro, dolo, coação, má-fé etc.; e objeto lícito e possível, já que não se podem celebrar tratados, por exemplo, para violar direitos humanos, para validar o tráfico etc.

Quanto aos efeitos que produzem os tratados, limita-se seu alcance às partes contratantes. Apenas de modo excepcional estendem-se a terceiros. Se se estenderem de modo positivo, esse terceiro desfruta dos benefícios, mas não cria direitos adquiridos. Se for de modo negativo, o Estado pode reclamar perante a CIJ.

* Postado por Lucas Cunha Mendonça

Um comentário:

  1. Excelente resenha acerca do tema proposto pelo Livro.

    ResponderExcluir