27 de setembro de 2009

Resenha de Direito Internacional Público - II Crédito

O estudo da II Unidade se iniciou com a noção de personalidade internacional, que está atrelada à noção que temos de personalidade do indivíduo, ou seja, sujeito titular de direitos e deveres. Para isso, precisamos saber quem são os entes detentores de direito e deveres no cenário internacional. Os entes dotados de personalidade no plano internacional são três, a saber: os Estados, que são os principais sujeitos do Direito Internacional, maiores responsáveis por criá-lo; as Organizações Internacionais, que constituem um fenômeno recente, mas já têm sua titularidade de direitos e obrigações reconhecida, e se destacam pela luta pelos direitos humanos e pela consagração da dignidade da pessoa humana; e, por fim, o indivíduo, que recebeu uma maior relevância no plano internacional justamente com a luta pelos direitos humanos. Embora o indivíduo tenha personalidade, ele não possui capacidade internacional, tendo em vista a impossibilidade de criar normas de DIP, o que é dado apenas ao Estado e às Organizações Internacionais.

O Estado é, de fato, o ente mais importante da Sociedade Internacional. Ele é composto de quatro elementos, são eles: território, povo, governo e soberania/capacidade para se relacionar com outros países. O território é a base física do Estado, o local a que está circunscrita sua jurisdição. Sem ele, o Estado não existe. Temos como exceção a Palestina, que, para não aumentar o número de conflitos na região, por opções políticas, é reconhecida como Estado mesmo sem possuir base física. O povo é a população permanente do Estado, o conjunto de indivíduos, nacionais ou estrangeiros, que ali habita. Constitui a dimensão pessoal do Estado. Distingue-se da nacionalidade, pois esta caracteriza-se por, onde quer que a pessoa se encontre, ser considerada cidadã do Estado a que pertence pelo vínculo da nacionalidade. O governo é a autoridade central, que tem efetiva administração no território. Conforme assevera Hildebrando Acciolly, é necessária a existência de governo soberano, isto é, de governo não subordinado a qualquer autoridade exterior. Não importa o regime a que está submetido o Estado, ele necessita de um poder que zele pelo bem comum. A soberania é o elemento que faz com que o Estado não reconheça nenhum poder acima de si. Há a noção de soberania interna, que é a autonomia do Estado no âmbito das suas atribuições internas, e a soberania externa, que possibilita a ele relacionar-se com os demais Estados em condição de igualdade, por reconhecerem-se soberanos.

O Estado tem origem quando reúne estes quatro requisitos que o constituem, e, após esta reunião, busca o reconhecimento perante os outros Estados para adentrar no cenário internacional, pois mesmo a sociedade internacional sendo aberta e universal, ele depende desse reconhecimento parar atuar dentro dela. Portanto, o reconhecimento é o ato unilateral pelo qual um ou mais Estados reconhecem a existência, em um território determinado, de uma sociedade humana politicamente organizada, independente de qualquer outro Estado existente e capaz de observar as prescrições de Direito Internacional. Constituem requisitos para o reconhecimento do Estado a existência de um governo independente, estar sobre um território delimitado e que o governo tenha efetividade sobre seu território. Como efeito desse reconhecimento, o Estado passa a existir no cenário internacional, mas vale ressaltar que o Estado existe a partir do momento que reúne os quatro elementos essenciais, pois reconhecimento não significa autorização; ele também passa a ser protegido pelas normas de direito internacional, ele passa a ter prerrogativas e ser titular de direitos e deveres internacionais; ele também passa a ter condições de se relacionar diplomaticamente com os demais Estados.

O reconhecimento do governo de um Estado faz-se mister quando este ascende ao poder contrariando as vias constitucionais, como no caso de golpe de Estado. Sem este reconhecimento, o Estado ficará isolado, pois suas leis, creditações, nada será reconhecido. Conforme lição de Hildebrando Acciolly, o reconhecimento do novo governo não importa o reconhecimento de sua legitimidade, mas significa apenas que este possui, de fato, o poder de dirigir o estado e o de representá-lo internacionalmente. Para que haja este reconhecimento, é necessário que este governo tenha efetividade, ou seja, que tenha controle da máquina administrativa e do território do país. Ele também precisa cumprir as obrigações internacionais, mormente no que diz respeito ao pagamento das dívidas internacionais. Também é preciso que este governo apareça de acordo com as normas de Direito Internacional, sem interferência estrangeira. Ao contrário, por exemplo, do que ocorreu no Iraque. Existem formas de ruptura aceitas pelo DI, como uma revolução que é reconhecida para evitar intervenção estrangeira em um país. Por fim, deve o novo governo realizar, em curto prazo, eleições livres e diretas para suprir a ruptura do sistema constitucional. Exemplo atual é o de Honduras, que, por ter tido seu presidente afastado por um grupo de militares, configurou um golpe de estado e está ameaçado de não ter seus atos de governo reconhecidos por países como os EUA. A partir desse reconhecimento de governo, estabelecem-se relações diplomáticas que permitem operacionalizar as relações que são estabelecidas quando do reconhecimento do Estado. Também o Estado passa a gozar da imunidade de jurisdição, não podendo ser demandado por outro Estado, esta imunidade se estende aos seus governantes, tropas, bens, etc. Também o Estado passa a ser capaz de demandar em tribunais estrangeiros e passa a ter seus atos e leis reconhecidos, como tratados, vistos que deu, diplomatas acreditados). Este reconhecimento pode se dar de forma expressa, quando ocorre através de notificação ou declaração oficial, ou tácita, quando são praticados atos que demonstram este reconhecimento, como a celebração de tratados, a manutenção de diplomatas no país ou quando os diplomatas no novo governo são recepcionados por outros Estado. Pode também o reconhecimento ser individual, quando advir de um só país, ou coletivo, quando uma reunião de Estados reconhece o novo governo. Por fim, vamos ao estudo de duas correntes que discorrem sobre o assunto. De acordo com a doutrina Tobar, de autoria de Carlos Tobar, Ministro das Relações Exteriores do Equador, a comunidade internacional deveria se recusar a reconhecer qualquer governo que fosse instituído por vias não constitucionais, até que houvesse aprovação popular neste sentido. Esse posicionamento se dava pelo fato de existirem muitos golpes de estado na América Latina. Já a doutrina Estrada defende, pelos princípios da não-intervenção e da soberania, que um Estado não deve emitir juízo de valor sobre o governo de outro. O Estado deve se posicionar para saber se reconhece ou não sem interferir no processo de reconhecimento daquele novo governo pela sua população. Hodiernamente, não prevalece nenhuma das duas, mas a análise concreta do caso prático a ser resolvido.

O Estado, por ser um ente de Direito Internacional, detentor de personalidade internacional, é titular de direitos fundamentais. Não há consenso sobre quantos e quais são estes direitos, mas a ONU criou uma Comissão para tentar normatizar essa questão, que apresentou os seguintes direitos. O primeiro é a soberania, que além de ser requisito também é direito fundamental do Estado, e está ligada aos conceitos de território, riqueza e jurisdição, pois quando o Estado tem controle sobre estes aspectos é plenamente soberano. Há também o direito à independência, que é o corolário do direito à soberania, diz respeito ao poder do Estado de se autodeterminar, ou seja, de criar suas leis, tanto interna quanto externamente. Esta independência não deve ser só política, mas também econômica e social. O Estado possui direito à igualdade jurídica, mas, na prática, vemos que nem todos são iguais, havendo diferenças econômicas e bélicas. Ele tem também direito de defesa, isto é, direito de defender sua soberania de qualquer tipo de agressão à sua integridade territorial, seu espaço aéreo, suas riquezas, etc. Mesmo que ele ataque primeiro para não ser atacado, está exercendo este direito, através da legítima defesa, como foi no caso dos EUA depois do 11/09. Por fim, há o direito de autodeterminação, que é o direito do Estado de cuidar sozinhos de suas questões internas, gerir sua economia, coordenar sua política, etc. Enfim, não cabe a nenhum Estado se imiscuir nas questões internas de outro, como é o caso de Hugo Chavéz, que está sendo acusado de interferir na questão de Honduras para manter o presidente no poder. A Carta da OEZ traz, explicitamente, quais seriam os direitos dos Estados, a saber: igualdade jurídica, existência política, proteger e defender sua existência, exercer a jurisdição, desenvolvimento e inviolabilidade do território. Os deveres do Estado são o de respeitar os direitos dos demais, cumprir os tratados, dever de não-intervenção e dever de não utilizar a força como legítima defesa.

Há hipóteses em que a soberania do Estado é mitigada e, assim, seus direitos fundamentais sofrem restrições. A primeira delas é a imunidade de jurisdição, tendo em vista que o Direito Internacional admite que certas pessoas, em determinadas situações, possam continuar sujeitas às leis civis e penais de seus próprios Estados. Essa imunidade jurisdicional se desdobra na imunidade de chefe de estado e de governo e na imunidade diplomática. O chefe de estado que esteja em território de outro país tem imunidade absoluta e não poderá ser preso, processado ou apenado pela justiça do mesmo. Esta imunidade se estende ao chefe de governo, que pode estar encerrada na mesma pessoa. Ela abrange a figura do chefe, da sua família e de sua comitiva naquele Estado, por isso é imunidade plena. Essa comitiva precisa estar em missão oficial acompanhando o chefe. A imunidade diplomática abrange a inviolabilidade, a imunidade de jurisdição civil e criminal e a isenção fiscal. A inviolabilidade garante que aqueles que fazem parte de uma missão diplomática, do embaixador ao 3º secretário, não poderão ter sua residência adentrada, nem serem obrigados a testemunhar, assim como não podem ser conduzidos coercitivamente a prestar depoimentos, seus veículos também são invioláveis, mesmo que quem esteja dentro deste não seja embaixador ou cônsul. O embaixador é o representante do Estado encarregado dos assuntos oficiais e tem imunidade plena, exercendo ou não sua função, já o cônsul é representante do Estado nas áreas culturais e comerciais, e só está imune nos crimes cometidos no exercício de suas funções. Ambos serão julgados em seus Estados de origem. O Estado em que ocorreu o fato pode renunciar da imunidade ou o próprio diplomata pode pedir a imunidade. No entanto, entende-se que a imunidade não pertence à figura pessoal do diplomata e sim ao Estado. A imunidade, ademais, não significa a permissão de cometer crimes. A imunidade de jurisdição civil e criminal diz respeito ao fato de que os diplomatas não podem ser réus em ações penais ou civis. Já a isenção fiscal existe por se pressupor que o agente diplomático paga todos os impostos de seu Estado de origem, e por isso não há cobrança fiscal no Estado em que está em missão. Como formas de restrição aos direitos fundamentais dos Estados temos também as servidões, o condomínio, o arrendamento e a neutralidade permanente.

Passamos agora ao estudo de uma forma de restrição muito atual e discutida, que é a intervenção. De acordo com Celso Melo, a intervenção ocorre quando um Estado ou grupo de Estados interfere para impor a sua vontade, nos assuntos internos ou externos de um outro Estado soberano ou independente, com o qual existem relações pacíficas, e seu o seu consentimento, com a finalidade de manter ou alterar o Estado de coisas. Assim, a intervenção constitui limitação à soberania do Estado, porque seu território é ocupado por uma força militar estrangeira que dita as regras do seu governo. Exemplo recente foi a ocupação do Iraque e Afeganistão pelos EUA. Há aqueles que acreditam ser ilegal qualquer tipo de intervenção, sob qualquer argumento. Mas também existem países que acreditam na legalidade da intervenção quando foi autorizada pelo Conselho de Segurança da ONU. A intervenção pode ser individual, quando apenas um país interfere na vida de outro Estado, com ou sem o aval da ONU. Mas geralmente a ONU não intervém em um país através de apenas outro. A intervenção coletiva ocorre por um grupo de países, através das coalizões, que formam as força de paz. São os chamados capacetes azuis da ONU. Há também a intervenção humanitária, muito comum atualmente e que justifica-se na tutela dos direitos humanos. Seria a justificativa mais plausível, entretanto é considerado um argumento falacioso, pois nenhum Estado age sem segundos interesses. A intervenção nunca é justificável para paralisar uma guerra civil, tendo em vista o princípio da autodeterminação dos Estados e da não-intervenção. Mas, a depender da circunstância, a intervenção pode ser lícita, no caso de haver um genocídio durante um conflito interno. Quando um país sofre intervenção de outro ou de um grupo de países, aqueles Estados que lhe são favoráveis, podem defendê-lo, através de uma contra-intervenção, lutando para defender a soberania do país invadido, através da legítima defesa de terceiro. Por fim, há o direito de ingerência, que é uma intervenção positiva, e cuida de possibilitar a um país ou determinados grupos o direito de intervir em países para oferecem ajuda. Como é o caso da Cruz Vermelha, dos médicos sem fronteiras, etc. Não é necessária a autorização da ONU ou do governo local. Esse direito de ingerência pode se dar no caso de catástrofes ou conflitos internos (ex: Tsunami na Indonésia, campos de refugiados, sem intervir diretamente no conflito mas ajudando a minimizar as conseqüências para a população civil) e baseia-se nos direitos humanos, tendo propósito de paz, humanitário.

Desta forma, tratamos do Estado e todos os aspectos decorrentes de sua personalidade internacional.
*Postado por Ethel Lacrose

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